sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Ténue realidade

As ruas outrora totalmente desabitadas
Assistiam ao êxodo de corpos mundanos.

Ficávamos despertos,
Com olheiras sugestivas de comportamentos limite.

A mesma escada em que às vezes
Confidenciávamos episódios desprovidos de significado algum
Mantêm-se inalteradas.

É evidente a ingenuidade dos nossos actos,
Que nada produziram e nos trouxeram aqui.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Estive ausente por um instante

Atento sigo o seu olhar,
Procuro decifrar…
Cada gesto voluntário revela um pouco mais.
A cadência da respiração é contagiante
E ao mesmo tempo serena.

A iminência da situação assim o exige!
Avanço hesitantemente corajoso,
Sem dar conta de tamanha evidência,
Como se o ruído me cegasse.

Precipitei-me no seu caminho,
Interferi na linha de visão;
Mas não…
Permaneceu como antes.

Perguntei-me se o ar que respirava
Nos era comum,
Assim como o chão que pisava.

Estive ausente por um instante.

Em simultaneidade temporal
Ocupamos agora o mesmo espaço.
Numa arrepiante certeza
Sinto que somos um no plural.

sábado, 4 de abril de 2009

Desconstrução da morte

Procuravas uma saída. Aliás, a única viável.

A claridade do exterior diminuía exponencialmente.

Estavas só, como sempre,
mas desta vez uma completa desorientação
fora adicionada à equação habitual.

Num inútil exercício de memória
incursavas em crescente desalento.

Um ponto temporalmente isolado, da tua realidade,
era agora a tua morada.

A anulação da massa corporal
tornava intermitente o contacto com o solo.

A distância entre ti e ninguém decrescia visivelmente.

Mergulhavas velozmente no irreal,
na constatação do nada.

No último segundo de existência
pousaste o revólver sobre a mesa.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Tudo aquilo que nada lhe dizia

Foi quase irrelevante o modo como se afastou do centro da acção.
Deixou para trás tudo aquilo que nada lhe dizia.

A permeabilidade do espírito condena-o uma vez mais.
O deambulatório é estático e interminável.

Na facilidade aparente esconde-se o sacrifício atroz da inevitável perda.
Não fosse o acaso pura coincidência e as consequências seriam irreversíveis.

A evidência dos sinais cegara-o momentaneamente.
A inutilidade dos membros torna redutor qualquer gesto reactivo.

Depois de caída, a crença jamais se ergue do vazio criado.
Voltar não passa de uma miragem num deserto sem oásis.

O esquecimento arquivado apagará o instante em que
Deixou para trás tudo aquilo que nada lhe dizia.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Ouvindo Debussy

Fui convidado a entrar como esperado.
Estava sentada no chão,
Ouvindo Debussy com um copo de vinho na frente.

Aproximei-me de forma natural.

Antes de conseguir dizer boa noite
Um segundo copo ganhava vida
E sem um olhar foi-me oferecido.

Parecia ver a música com olhos carentes de plenitude.

Ainda que fascinado,
Comecei a sentir algum desconforto.
Fora convidado a desempenhar um papel secundário.

Serenamente sentei-me a seu lado,
Duvidando do êxito da minha missão.

Nenhum de nós tinha proferido uma só palavra.
Não me permitia ser eu a avançar.
Seria uma ousadia quebrar a solenidade do momento.

Num único gole devolvi o copo à sua condição inicial.
Nada me me restava, estava derrotado.
Recostei-me, deixei o corpo afundar-se no soalho.

Escutei o vinho precipitar-se
Seguido de uma voz envolvente.

Abri os olhos e rodei a cabeça.
Questionei sobre o sabor do vinho,
Falou-me da necessidade da música.

Estendeu o braço esquerdo em busca de um cigarro.
Compreendi a utilidade da caixa de fósforos próxima de mim.
Acendi o cigarro, certo do seu destino.

Fui surpreendido por nova oferta.

Observou por instantes a aleatoriedade do fumo e retirou-se.

Fiquei com a música, o vinho e o cigarro.